do antes, durante e depois

Dora, 24. September 2019

12.02_8pm

Desde o dia em que fui convidada para realizar a produção da turnê brasileira do espetáculo alemão “Rosa, trotz alledem”, até o dia da estreia em São Paulo foram exatos sete meses. Durante este período pude exercitar na minha empresa (PLATÔproduções – uma produtora cultural independente sediada em São Paulo) uma das funções que mais A.Doro … planejar, dimensionar, elaborar, planilhar … enfim, organizar todas as ideias de modo a tornar os desejos viáveis… e assim, foi… I organize! … foram inúmeros emails trocados entre a PLATÔ, a Fundação Rosa Luxemburgo (realizadora do projeto), o Goethe Institut (Co-realizador) e a Cia. representada por Barbara (dramaturgista e produtora) e Anja (autora e diretora); além de reuniões ao vivo e on line.  Vai e vem de documentos, fotos, textos, imagens, sugestões, opções, escolhas, decisões, aprovações, etc… etc… 

Assunto vai, assunto vem (e haja assunto!)  e, aos poucos, os sonhos foram se tornando realidade… tudo pronto…  bora para a cena… partiu turnê! 

 

09.09_2pm

Primeiro encontro ao vivo com os artistas da Alemanha. Este ainda era o momento de lidar com a ansiedade e a excitação de finalmente “conhecer o desconhecido”, ver se o planejado estaria de acordo com o esperado, ajustar agendas e etc.  Logo à 1ª vista, no rápido encontro com a equipe na porta do hotel, percebi que algum link se estabeleceu… algo me dizia que teríamos uma turnê marcada por acontecimentos variados, potentes, poéticos e renovadores … sabia que fácil não seria mas que, no mínimo, seria cheia de emoções...

E, assim foi … com Rosa, em Rosa, por Rosa ...

 

Fácil mesmo foi perceber que, ao passar dos dias, as relações de trabalho, profissionais e reponsáveis em sua essência, foram construídas também com carinho,  afeto, respeito e, principalmente com amor… muito amor pelo que se faz (e por quem se faz) em arte, para arte e com a arte… as diferenças entre as culturas, entre as metodologias de trabalho, entre os idiomas, aos poucos foram deixando de existir … a comunicação era cada vez mais espontânea, natural e fluida…  e assim, nos misturamos, nos aceitamos e fomos nos tornando um grupo de um corpo único … agora “our team is Brazilian”.

 

Realizamos as 4 apresentações previstas entre os dias 9 e 23 de setembro.  Foram quinze dias intensos, poderosos, transformadores… full time focados nos objetivos da turnê, a equipe fixa de São Paulo + a equipe da Alemanha esteve presente em todas as cidades e nestas, a cada passagem, agregavamos cerca de 10 a 12 novos profissionais com suas experiêcias locais.  

Gerar empregos, potencializar as micro comunidades e contribuir para a economia local também foram premissas que estiveram presentes no planejamento e execução do projeto e, que se fazem fundamentais especialmente, em momentos sombrios como a atual realidade do nosso imenso Brasil, onde a cultura e a arte tem sido constantemente atropeladas por um (des) Governo autoritário, equivocado, totalmente sem senso de noção, e que, temeroso que é da força da coletividade, parte para o ataque à arte, para a suspensão dos direitos humanos, exclusão das minorias, das diversidades, do meio ambiente… enfim, destrói tudo aquilo que não lhe é espelho... é realmente do tipo tosco.

É bom lembrar que eles não passarão, estamos atentos!… E, Rosa nos lembra: “…basta que vocês se movam para que o chão comece a tremer”

 

A schedule é apertada, acordar cedo, ir para o teatro, receber carga, desempacotar cenografia, montar equipamentos, adaptar, ajustar, afinar, voltar para o hotel… e ao cair da noite “let’s go to have a drink and smoke a cigarette”… o tempo de distrair a cabeça, de ver e saber do outro, de conhecer… é também o tempo de Rosa (aqui Guimarães, o Rosa mineiro): “Tudo, aliás, é a ponta de um mistério, inclusive os fatos. Ou a ausência deles. Duvida? Quando nada acontece há um milagre que não estamos vendo.”

No dia seguinte continua, afina, foca, ensaia…final check…light ok, sound ok, subtitles ok, elenco pronto… apresenta, conversa, desmonta, empacota, carrega caminhão e vai… todos juntos, equipe engajada…delicia de se ver e viver! Obrigada Anja, por insistir no compartilhamento das tarefas.

 

Aqui exercitar o fazer de gestora de projetos e produtora de (e em) campo, executar o planejado e poder ver o espetáculo ao vivo ser experienciado por um público apaixonado pelo que se via em cena foi (e ainda é) mais gratificante …. Ahh o público, sempre uma caixinha de surpresa, um caso a parte nesta turnê: em São Paulo, Porto Alegre e Salvador tivemos casa cheia, com direito a cadeiras extras e sentar nas escadas … público este, cujos feedbacks após as apresentações, durante os debates, nos fez, cada vez mais, ter a certeza de que estávamos no caminho certo … promover o diálogo e alimentar o pensamento através das artes cênicas, ainda é a melhor maneira de contribuir para o fortalecimento do ser humano… seguimos adiante! No Rio não lotou mas ainda assim, foi perceptível a contribuição da peça para se re-pensar o cenário atual de uma cidade que, embora devastada e assustada, ainda é “Rio quarenta graus, cidade maravilha, purgatório da beleza e do caos”… foi poderoso!

23.09_2pm

Após Salvador, única cidade onde o dia off se fez presente (talvez para que pudéssemos tomar um banho de mar e agradecer a Iemanjá pela potência deste encontro Brasil-Alemanha), pousamos em Guarulhos… numa tarde cinza e fria, com a certeza e a alegria do dever cumprido … mas também com o coração na mão e uma certa tristeza, características típicas da finalização de processos intensos de trabalho vividos/experienciados com profundo afeto, respeito e adminiração entre as equipes … como vamos viver os próximos dias, sem esse furação que foi “Rosa, apesar de tudo”? … não sei… mas, só sei que vamos… “Nenhum acordo! Avante!”

 

Percorremos um pouco o país, fomos ao Sul, ao Sudeste e ao Nordeste durante duas semanas, percorremos cerca de 6.400Km de forma rápida e intensa, dia a dia, a turnê foi se construíndo, regada de puro amor, profissionalismo, respeito, competência e alegria! Agradeço a equipe fixa maravilhosa que me acompanhou - Grazi Vieira, Raka Balekian, Andre Bortolanza – sem vocês o mundo Rosa não seria viável. Agradeço a Fundação Rosa Luxemburgo e ao Goethe-Institut, nas figuras de Christiane Gomes e Karine Legrand, pela parceria, confiança e oportunidade de produzir este projeto e participar da circulação do espetáculo pelo Brasil nos dias de hoje. Agradeço a equipe alemã pelo respeito e confiança em nosso trabalho e, por fim, agradeço a Rosa, por nos mostrar que ainda é possível subverter a ordem em prol da humanidade… a ela “meu respeito incondicional!”



Out of time

André, 25. September 2019

Foram quatro estados em duas semanas: SP, RS, RJ e BA. Cidades com características, ritmos e sotaques tão diversos nesse quase continente que é o nosso país. Brasileiros e alemães comunicando-se numa terceira língua. O teatro continua a me surpreender com uma qualidade de magia incomum. Num ritmo eletrizante de mais um aeroporto, outro quarto de hotel e o contato com uma equipe local que trabalharia junto por cerca de 3 dias. Amizades antigas reafirmadas e amizades recentes numa profunda cumplicidade. O tempo cronológico se desfaz, porque todos concordaram que vivemos mais do que catorze dias nessas duas semanas. Na minha percepção, quase distanciada, já tenho memórias e experiências que, estou certo, me acompanharão para sempre. Não era incomum ouvir alguém falando a palavra "intensidade". Talvez nada defina melhor essa experiência. Eu sempre peço à vida pra me colar na confiança e na intensidade, e essa temporada foi um presente lindo da existência. Em cada montagem, em cada palco e a cada nova platéia. Essa vida nômade e cigana de montar o palco, afinar a luz, apresentar e carregar o caminhão na mesma noite. Então, mergulhar na experiência que aquela praça apresenta. Seja no Bar dos Arcos em São Paulo, na Cidade Baixa em Porto Alegre, na Pedra do Sal no Rio de Janeiro ou no Rio Vermelho em Salvador. Cada cidade deixou uma história e, ainda durante o percurso, tudo se misturava numa só vida: que era particular, coletiva, profissional, artística, política e espiritual. Fazer parte da turnê brasileira desse espetáculo alemão que marca os 100 anos do assassinato de Rosa Luxemburgo é um merecimento. Triste ver como a história tragicamente se repete nesse momento amargo, perigoso e triste da nossa história. Quando os valores estão no avesso e os representantes não cansam de proferir ignorâncias e preconceitos cheios de arrogância e prepotência. Com surpresa eu lia as legendas do texto em alemão para notar como a maioria daquelas frases era tão pertinente a essa nossa realidade brasileira atual. Mas no teatro há uma potência de vida, resistência e renascimento. Estou fortalecido.